Um cão morto na estrada

Abracem-me, esfaqueiem-me…
Podre que estou não vos quero em nada, para nada!
Eis que chego onde me trouxeram…
De mortalha estendida que me cobre inteiro.
Mas mexo…cuidado que ainda mexo!
Que se fodam todos!
Deixem-me espernear em escarros o fim.
Filhos da puta.
Contorço-me…
Claro, que me inunda a alma bruta uma noite que vem eterna.
E a vida, a vossa vida seus merdas?
Lacinhos, coroas e lágrimas que sou bonzinho no adeus.
Boa noite e um queijo…
Que se riam agora da minha cultura estética que não harmoniza as camisolas com a cor das meias rotas…brancas, fétidas, tal qual o afio da língua de onde me saltita…
Que se fodam todos!
Ai…que é bem, que é mal, coçar o cú e comer rissóis, mijar sem lavar as mãos, o gosto por peidas grandes, os paneleiros, as putas, os drogados, todos os pervertidos do cozido á portuguesa que arrotam biscas dos três no embriago que renuncia aos tiques graciosos dos arredores classe média.
Que se fodam todos!
Os escritores embalsamados em tiques quinhentistas, engomados na gramática, que amestra a semântica em ovinhas de caviar e champanhe marca cifrão.
Eu quero é futebóis, arraiais ao virar da esquina, bailes de verão na paróquia e guardanapos gordurosos a dizer “amo-te Rita”, com o número tal, tal!
Abracem-me, esfaqueiem-me…
Podre que estou não vos quero em nada, para nada!
Que se fodam todos!
Que o amor é universo…
Sodoma e Gomorra!!!
Nós todos no inferno a desfrutarmos o apocalipse num festim de bacanais á mistura com tremoços, sovacos cheios de pêlo e cervejas coisa e tal…frescas, loiras, pretas, indianas e gajos a jogar á bisca no alguidar da feijoada enquanto cortam as unhas cheiinhos de tesão…
Agora sem renuncias, um pires de caracóis!
Que se fodam todos os ranhosos!
Os supermercados chiques, os centros comerciais e os bares que fazem moda em anúncios “very ligth’s”, os intelectuais, os autodidactas e os concursos “quiz show” com funcionários públicos a acertarem em Cancun, nas Baamas e num automóvel grande que dá para a família toda, sogra e putos incluídos!
Onde é bom é na feira, com couratos e pingados, fatos a tuta-e-meia e t’shirts a cinco euros!
Ali, no epicentro do barulho, perguntas e respostas que começam no Benfica e acabam á facada…
Acertam todos, os ciganos a gritar a polícia a apitar, e os trolhas a comprar bermudas que dão viagens ao paraíso… em Carcavelos!
As cassetes as carcaças, as nabiças e os nacos, o torresmo e a azeitona com batata nova á saca de uma velha saloia que vende a horta inteira aos nabos da cidade!
Venha a música, o fado e o popularucho, com as tias de esquisito no “Versace” a perguntar:
“-Quanto é?”
“-Cinco euros oh freguesa…é artigo de marca, não encontra no chinês!!!”
Que se fodam todos!
Os ginásios e afins, aminoácidos, anabolizantes, complexos vitamínicos, dietas sazonais, que me babo a olhar as cuecas das mulheres-a-dias ajoelhadas nas escadas dos meus vizinhos, que me olham de soslaio enquanto coço os colhões!
Que se fodam todos…os poetas de régua e esquadro, que esta merda da poesia é geometria variável sem regras e sem gravatas.
Abracem-me, esfaqueiem-me…
Podre que estou não vos quero em nada, para nada!
Eis que chego onde me trouxeram…
De mortalha estendida que me cobre inteiro.
Mas mexo…cuidado que ainda mexo!
Que se fodam todos!
Que me fodam todo!
Que me inunda a alma bruta uma noite que vem eterna…
E há-de chegar a hora, que nos vai foder a todos!!!

PS:Estava um cão morto na estrada e uma Romena a vender a pensos.

Vlad

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Balada dos pés descalços

Vou começar uma revolução.

Só andar com os pés na rua…

Descalços como em sangue,

de ser…

No ápice dos momentos, força e aço contra um deus embalsamado.

Depressa…em mim, como um Violino a acender,

Cedros assombrados numa ária de agonia tocam prantos e revolta eminentes como o impacto.

Assim irei com os pés pela rua toda.

Descalço…porque está a acontecer, como o grito…

Num amanhecer cristal no relâmpago do ódio.

Agora, Harpas assassinas, degolam apoquentadas súplicas dos Arautos da traição.

O criador no banco dos réus…sem escusa.

Culpado da História e do crime, da perfídia da exploração…

Culpado pelos julgamentos injustos consumados debaixo do céu dos homens.

Milhões de pés na rua…

Descalços como em sangue,

de ser…

no momento dos momentos a humanidade em grito.

Ânimo, peito e luta.

E tornará um Violino, agora ferido e lacrimogéneo a uivar martírios do que está para partir.

A orquestra dos justos,

na sinfonia da terra em chamas crepitam-me cá dentro…

Vou começar uma revolução.

Quem nunca pecou?

Estou aqui… despido e frio, a atirar a primeira pedra porque as lajes das calçadas,

são balanças de justiça que alargam a liberdade aos homens.

Comigo milhões…

E virão Flautas mágicas, cegas para me encantar, Cítaras sombrias a dedilhar contradições,

Pianos vestidos de luto a reclamar tudo e o silêncio.

Assim irei com os pés pela rua toda.

Descalços como em sangue,

de ser…

O timbre de um novo dia, que deslaça a escravatura,

do tronco escurecido dos cedros assombrados.

Os séculos como um baralho a implodirem na avareza,

caírão aos pés daqueles que tatuaram a sangue cemitérios de coragem.

Toda a música do universo, é já o som de um Cravo…

em milhões de pés descalços…

Assim irei com os pés pela rua toda.

Descalços como em sangue…

Nada nos resta que não a luta…anda!

Vou começar uma revolução.

 

Vlad

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Pintura para um pântano

Atracado na lama escorregadia dos corgos
Que íntima penúrias neste corpo que vivo
Onde compassa o segundo que me enterra em desprezo
Esbracejo na lágrima num resvalo de limo
Porque ódio, passas de luto em mim
Se em luta me dou como uma pérola de nervo
Como uma furna de suor em ebulição
No gemido da força do sangue onde fervo
Há mortalhas de protesto submersas nos pântanos
Que flutuam no leite atraiçoado do limbo
Fatos de ganga com o fumo nas mangas
Que mergulham o grito num silêncio de tinto
Sonolentos cartazes de fábricas mortas
Em desespero como em dor anestesiadas
Plantam nas margens dos abismos de lodo
Horas extras etílicas hipnotizadas
É na robustez das agruras onde me afundas
Que á greve e á fome, não me falta a água
Alimenta o meu corpo de marés bravias
Que explodirão nas ruas numa granada de mágoa
Profunda é a ferida do homem dos pântanos
Carne viva de lava e fraternidade
Nos atoleiros sombrios onde me queres
Sou casulo dos homens em maternidade
Assim encharcado de musgo e razão
Estrebucho em pingos de suor cristalino
Que há-de drenar cisternas de injúria
No alcatrão que transpira o labor citadino
Espezinhados aos milhões como fósseis de gente
Talvez assim porque entendemos
Que enterrados na lama da vida madrasta
Escorregamos sem força, mas não nos rendemos!

Vlad

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África

Sou eu quem caminha nos teus campos de mochila carregada de sonhos, passos descalços, olhos de savana e sorriso de barro. Se és mãe, desconheço-te como filho. Mas se bastar o meu cheiro, África, deixa-me recostar nas tuas costas lambidas pelo mar salgado como as lágrimas dos irmãos deportados para campos de café. Deixa-me também ser mar e lamber-te as feridas que tardam em partir. Deixa-me ser a brisa que raspa o barro do capim molhado e o sangue negro dos braços enlutados. Deixa-me ser cor, contraste e tela. Deixa-me ser África.

pedrobala

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Sérgio Alves Moreira

Há rios que não acabam no mar. Desaguam-nos na memória. E mesmo que tentemos nadar, afogamo-nos. Sérgio Moreira é um desses rios. Caudaloso, espesso e que arrasta tudo consigo. Podia ter sido um grande jornalista. Mas teve de fugir do país. Podia ter sido um bem sucedido professor de Filosofia. Mas havia outras prioridades e abandonou o ensino. Podia ter sido um guerrilheiro conhecido. Treinou o comando que executou o primeiro sequestro político da história a uma embarcação. Mas não participou na acção. Podia ter sido secretário do Humberto Delgado. Mas não foi. E o controverso general caiu em Villanueva del Fresno. Podia ter sido um famoso escritor. Mas as suas palavras permanecem embalsamadas em milhares de páginas. Como se nunca tivessem sido escritas. No fundo, não foi nada, como todos os que lutam por uma causa maior do que eles. Tão grande que cabem todos os explorados e oprimidos do mundo. Por isso, não sendo nada foi tudo.

E é também por isso que o pó dos livros me desagua na memória. A tentação de espirrar é quase tão grande como a de imaginar que o Sérgio está aqui. “Tenho uma coisa para si”, diz-me. Pousa o cigarro no cinzeiro e, sem mapa nem bússula, atravessa o mar de desordem em que se encontra a livraria como um marinheiro experimentado. Enfrenta a tempestade e resgata um livro do caos. Senta-se e pressente-se, na voz conspirativa, que estamos perante algo importante.  Abre a página 36 e lê: “Los mineros/también tienen derecho/a ser medio poetas/como los poetas/a tratar de tú el sol/y a mezclarlo en el asalto/de más pan y sueño”.

“De quem é?”, pergunto. “Agora, é teu”. Abre a primeira página e escreve: “Para Bruno. Nos caminhos solidários, na luta pela sociedade igualitária. Sérgio, em Caracas, a 30 de Outubro de 2008”. E, na capa, o nome do autor do autor surpreende-me. “Sérgio Alves Moreira”. Ou não. Ou então não nos surpreende que para si o mais importante não é que seja reconhecido mas que possa dar o seu humilde contributo para a transformação do mundo.

Não raras vezes, apanhei-o a discutir com clientes. Vale a pena ler o episódio vivido por Lautaro Sanz. “Numa oportunidade, por exigência da disciplina de filosofia Praxis II, solicitei ao velho Sérgio um livro de Mario Bunge. O Sérgio chateou-se e ralhou-me. Pediu-me que não lesse uma coisa daquelas. Que era uma vergonha que a juventude perdesse tempo a estudar esse farsante. Procurou o livro, abriu uma página ao calhas e leu um par de linhas. Naturalmente, não percebi nada. Quando terminou, focando-me, disse: ‘Viste? Puras mentiras’.”

Noutra vez, segundo conta, o Sérgio recebeu uma chamada e respondeu em português. Durante meia hora, ouviu-se uma violenta discussão. Alguns clientes, fartaram-se de esperar e abandonaram a livraria. Ficou Lautaro Sanz que folheava um livro ao acaso. Interessava-lhe mais aquela personagem real que as dos livros. O Sérgio deixou cair o auscultador sobre o telefone. “Esta gente não entende”, disse, “sempre a convidar-me para ditar conferências em Lisboa. Não quero ditar nada”. Cobrou um dos livros escolhidos por Lautaro e devolveu o troco. Sorriu e disse: “Desde que deram o Nobel ao Saramago, Portugal não é o mesmo. Perdemos a humildade”.

pedrobala

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Palestina

Seríamos o que quiséssemos. Passos enlameados,
Mãos robustas cavando trincheiras, lágrimas de fome,
Explosões ensurdecedoras.

Seríamos o que quiséssemos. Bulldozers destruindo-nos casas,
As nossas irmãs violadas, os pais torturados, uma pedra na mão.

Seríamos o que quiséssemos. O desespero de quem perde
O que já nada tem a perder, olhos de raiva –
Rostos de sangue.

Seríamos o que quiséssemos. Se a liberdade fosse nossa.
Explosivos humanos. Carne de revolta.
Nada.

Seremos as searas livres, e parte dos sorrisos,
Dos olhares daqueles que as percorrem,
Que serão o que quiserem na sua pátria:
Palestina.

(Escrito em 2005)

pedrobala

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Corto Maltese

Deleitava-se graciosamente sob as luzes trémulas do cais e açambarcava o imaginário das velas dos barcos maravilhado com os fogo-fátuos. Podia ser tudo, até um marinheiro de barba rija, desgrenhado e desencontrado. Ele mesmo.

Recordava-se do tempo em que o mundo girava em sentido contrário a uma velocidade alucinante. Os dias sucediam-se ao ritmo de piscar de olhos e ele, sentado, admirava cada pôr-do-sol com o mesmo brilho com que engolia cada nascer-do-sol. Lá fora os cabelos esvoaçavam e ninguém se preocupava com o tempo.

(Escrito em 2004)

pedrobala

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Bagdade

Não chores Bagdade
Que as lágrimas doem
E o fogo da bala não derrete
O medo.

Não te rendas Bagdade
Que o gemido dos teus combatentes
É sangue de quem morre
De pé.

Não feches os olhos Bagdade
Que nas tuas ruas
O sol não volta a nascer para
A barbárie.

A hora chegou. Madrugada. As últimas estrelas da noite testemunham a rebeldia de todo um povo que se liberta. Sombras viradas para Meca, não por Alá mas pelas kalashnikovs que vigiam o inimigo. Manhã. O ianque navega em tanques de aço. Tarde. Já toda Bagdade se ergue em ebulição. Cada rua e cada bairro é um país. Noite. As estrelas cadentes, já livres, expiram cravos vermelhos e iluminam-te, Bagdade.

(Escrito em 2004)

pedrobala

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Liberdade

Antes de nascer, o meu nome era sussurrado nos becos escuros dos subúrbios operários. Ali, sonhavam-me no pensamento clandestino. Os homens e mulheres de faces sulcadas pelo esforço, de mãos calejadas pela aspereza das máquinas, de pulmões rasgados pela fuligem sorriam-me. Pela noite dentro, as mesmas faces, as mesmas mãos, os mesmos pulmões enchiam as traseiras da taberna. Havia quem lhes chamasse agitadores, terroristas, havia quem visse neles a chama mais acesa do povo.

Creio que foi por essa altura que resolveram dar uma existência organizada à luta contra a injustiça. Quando imprimiram o meu nome nos jornais produzidos na velha tipografia escondida dos olhos da polícia, a realidade endureceu. Vieram as greves e as manifestações. Vieram as prisões e as torturas. As mães dos operários encheram os cemitérios ao Domingo. Como um grito vermelho na noite escura, os cravos resistiam nos seus fatos enlutados. Muitos tombaram por não revelarem o meu nome. “Filho da puta comunista!”, saía dos peitos encharcados de ódio dos carcereiros. Depois a tortura do sono até à exaustão. O cavalo-marinho. As beatas apagadas nos mamilos. Os eléctrodos nos genitais. A asfixia por afogamento na banheira.

As contracções surgiram em catadupa. Ninguém esperava a torrente que desabou em Primavera antecipada. O parto durou toda a madrugada. Nasci sob os disparos das mãos calejadas dos trabalhadores. A barriga do povo expulsava-me do seu ventre. Violentamente, arrancada a ferros, deram-me à luz. Um rio de sangue manchava as largas avenidas da história. Respirei pela primeira vez o leve odor a felicidade e chorei nas faces de todos os que por mim perderam a vida. Sujeito do seu próprio caminho, o povo tomara o poder.

Naquela manhã o silvo agudo das sirenes da fábrica soava diferente. Já não despertava a tristeza. Uma imensa alegria invadiu aqueles peitos sofridos. Nas cidades, nas ruas e nos becos todos me gritavam o nome. O meu doce nome que tão pouco tempo saborearam.

Morri. Desfiz-me no fumo que cospem as chaminés das fábricas. Quando ouço rumores entre as fachadas sujas dos prédios recordo-me de ti. Os megafones ressoando velhas canções revolucionárias e os nossos punhos em uníssono. Não esqueço a triste noite que se levanta sobre os cravos vermelhos de outrora. Contudo, passos distantes caminham no vento e propagam-se no infinito da história. Ao som dos operários que dominam a natureza e erguem todo um mundo novo. Melodia que sussurra como a semente de revolta de quem labuta o aço e cospe no prato da reacção. Somos todos os mortos que já não são teus. Uma tempestade que aguarda o futuro e encontra eco nos gritos dos que lutam pelo meu nome,

Liberdade.

(Escrito em 2005)

pedrobala

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